sábado, 30 de maio de 2015

Sinopse sobre as Teorias do Texto
Por Shirley dos Santos Bitelli


Módulo 1 – O nascimento de uma Linguística do texto: da frase ao texto – as três fases de construção da Linguística Textual

A Linguística Textual (LT) é uma ciência que afirma que toda linguística é, primordialmente, uma linguística de texto. Este conceito e método científico conflitam diretamente com o campo teórico da Linguística Estrutural (LE), movimento este precursor dos estudos linguísticos no parâmetro científico, que traz como pilares as ideias difundidas pelo linguista Ferdinand Saussure.
A Linguística Estrutural, de Saussure, teve grande aceitação, obtendo um crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, o que despertou a atenção de outros olhares teóricos também relacionados à linguagem para além do formalismo estruturalista (história, antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia etc).
A partir de então surgem novos campos teóricos da linguística, a maioria deles desligando-se de algumas das ideias do estruturalismo linguístico, tais como: sociolinguística, etnolinguística, psicolinguística, neurolinguística, pragmática, análise do discurso, semântica, etc. E, especialmente, Linguística Textual.
Muitos aspectos da tradição estruturalista foram criticados e serviram de base para a criação da Linguística Textual, sendo utilizados como barreiras a serem quebradas, entre essas, podemos citar: a delimitação da frase como unidade máxima de análise, a falta de importância dada ao texto e sua organização, a desconsideração da Fala e do texto falado e a total desconsideração do sujeito (falante) e da situação comunicativa na análise linguística.
Todas essas lacunas existentes na LE levaram os estudiosos no texto a empenhar-se a buscar sentido além dos limites das frases, a incluir na investigação teórica o sujeito e sua situação sócio-comunicativa e a desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas modalidades oral e escrita, a partir de sua organização estrutural, processamento cognitivo e funcionamento sócio-interacional, instaurando assim a LT.
A transmutação da LE para LT não possui claramente uma sucessão cronológica, o que marca essa mudança é a ampliação e aprofundamento gradual dos estudos da Linguística Textual, afastando cada vez mais esta ciência da outra. Cada nova fase busca superar os delimitações e ineficácia da anterior. Conforme descrevem os grandes autores desse campo científico, como: Bentes, 2007; Indursky, 2006; Marcuschi, 1983 e Koch, 2009; 2007; 2006, são reconhecidas três fases da LT:
1ª Fase Transfrástica: é a análise que vai além das fronteiras da frase, voltando-se aos fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da frase.
2ª Fase da Gramática Textual: essa fase por objetivo a criação gramáticas textuais. Nesse período a LT ainda se aproximava muito do entendimento da LE, pois ambas criam num sistema uniforme, estável e abstrato, porém esta embasada na analise da frase e aquela, na do texto. Na Gramática Textual o texto é tomado como a maior unidade linguística de análise que pode ser decomposto (e recomposto) em unidades menores classificáveis numa gramática do texto, o que facilita a identificação do papel de cada elemento textualmente. De acordo com esse estudo, o falante possuiria três capacidades textuais básicas:
·         A capacidade formativa (produzir e compreender).
·         A capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir).
·         A capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, descrição, argumentação).


3ª Fase da Teoria do Texto: Nessa fase a língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato, mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. O texto então deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado e passa a ser entendido como um processo em funcionamento. Segundo BENTES, a Teoria do texto tem por primazia investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso, adquirindo particular importância, verificar seu contexto pragmático, ou seja, o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos.

Embora não haja sucessão cronológica específica, pode-se contextualizar por proximidade que a Fase Transfrástica ocorreu na década de 1960, a Fase da Gramática Textual na década de 1970 e a Fase da Teoria do Texto a partir da década de 1980 até a atualidade.

Tanto quanto a LT evoluiu ao longo de suas três fases, o conceito de texto também. Na fase transfrática, o texto é concebido como uma sequência pronominal ininterrupta, enfatizando a questão da co-referenciação, como uma sequência coerente de enunciados, uma forma de organização do material linguístico e uma unidade linguística superior à frase. Já na Fase da Gramática Textual, o texto é visto como um complexo de proposições sintático-semânticas, uma estrutura pronta e acabada que obedece a uma estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de textualidade: coesão, coerência, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade e intencionalidade.
O texto era o produto de uma competência linguística idealizada, com ênfase no aspecto formal do texto – extensão e constituintes e era a maior unidade linguística com sequência coerente e consistente de signos linguísticos. Por fim, a Teoria do Texto enxergava que um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro pode não. Considere-se que, no texto em questão, o autor não prioriza as informações do texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino. Para esta terceira fase, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização, e construção.


Módulo 2 – Construindo sentidos no texto: Organização estrutural e processamento textual

Após breve explanação sobre a historicidade, do nascimento à atualidade, da LT, agora serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional que são o Processamento Textual e a Organização estrutural.

Processamento textual: Entendendo-se o texto como um processo, observa-se que esse ocorre através de sistemas de conhecimento acionados no texto e no contexto de produção (KOCH, op.cit). Na produção textual, toda ação é necessariamente acompanhada de processos de ordem cognitiva, de maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais. Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. O processamento textual ramifica em três sistemas de conhecimentos:
1) Conhecimento linguístico: diz respeito ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos coesivos.
2) Conhecimento enciclopédico ou de mundo: corresponde às informações armazenadas na memória de cada sujeito. O conhecimento do mundo abrange o conhecimento declarativo, manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo.
3) Conhecimento interacional: compreende dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em conhecimento ilocucional, conhecimento comunicacional e conhecimento superestrutural.
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Organização Estrutural: de modo geral a organização textual se orienta a partir de três níveis estruturais, inter-relacionáveis entre si: Superestrutural, Macroestrutural e Microestrutural.

Superestrutural: ou de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas. Este se refere tanto às estruturas textuais globais que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos (ver exemplos abaixo), como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. As superestruturas são estratégias na produção/recepção de textos que acionam a memória, através de modelos globais como:
Frames: Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória sem uma organização seqüencial que acionamos cognitivamente numa situação de uso.
Esquemas: Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória e organizados seqüencialmente que acionamos cognitivamente numa situação de uso.
Planos: Modelos de comportamento manifestados pelas pessoas no sentido de alcançarem um certo propósito e que são acionados numa situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica produzida pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções.
Scripts: São planos mais estabilizados ou estereotipados com rotina bem estabelecida e que geralmente especificam papéis e ações dos interlocutores.

Macroestrutural: refere-se às relações de coerência textual, responsáveis por construir a significação global no texto através dos processos de produção e compreensão textual, analisados numa leitura top-down (no eixo vertical). A construção da coerência textual depende da organização de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. É pela coerência que as ideias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Existem diferentes níveis de coerência:
·         Coerência narrativa: ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa.
·         Coerência argumentativa: diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se fazem deles decorrer.
·         Coerência figurativa: diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si e a coerência temporal, que é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo.
·         Coerência espacial: diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial.
·         Coerência no nível de linguagem: a linguagem usada e sua compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto.

Existem Importantes critérios de textualidade, entre os quais os mais importantes são o princípio de interpretabilidade, que depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. A situação comunicativa, que interfere na produção/recepção do texto e pode ser entendida em sentido estrito e em sentido amplo. O conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de mundo é toda memória de vida armazenada mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa. A polifonia (várias vozes), que diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. A inferência, que se relaciona às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais. A intertextualidade, que é um fator importante para o processamento cognitivo do texto, na medida em que recorre ao conhecimento de outros textos. A intencionalidade que tem uma forte relação com a argumentatividade e refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados. E por fim, a informatividade, que é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações novas alto, intermediário ou baixo.

Microestrutural: se refere às relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de sentido. Diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal do texto. A coesão é construída através de mecanismos gramaticais (pronomes anafóricos, artigos, elipse, concordância, conjunções, etc.), que definem as relações entre frases e sequência de frases, e lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação. As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas em três grandes tipos: a coesão referencial, recorrencial e sequencial.

Módulo 3 - Outras teorias cujo objeto de estudo é o texto

Com a evolução da LT e seu desligamento com o estruturalismo, outras áreas desenvolveram novos campos de investigação, muitos dos quais tomaram o texto, e não a frase, como objeto de estudo, como por exemplo, a Sociolinguística. Esta investiga a relação entre linguagem e sociedade, postulando o princípio da diversidade linguística. Atua nas orientações teóricas contextuais e funcionais, analisando ainda as relações de poder ligadas à linguagem, e busca relacionar variações linguísticas a diferenciações na estrutura de uma sociedade, considerando fatores socialmente definidos, como: identidade social do falante/ouvinte, contexto social e o julgamento linguístico-social feito pelos falantes sobre si e os outros. A prioridade da Sociolinguística é o estudo da língua falada em seu contexto social, especialmente a questão das minorias linguísticas e do insucesso escolar de crianças de grupos sociais desfavorecidos.
Outro campo oriundo da análise do texto é a Pragmática. Esta analisa o uso concreto da linguagem e as condições que governam esse uso, considerando a fala, sem observar a língua isolada de sua produção social. Ela se interessa por elementos criativos e inovadores no uso da linguagem, como o erro, a exceção e a licença poética. Suas principais correntes são o Pragmatismo Americano (inclusão do sujeito na construção do sentido), os Estudos dos Atos de Fala (linguagem ligada à ação e interação) e os Estudos da Comunicação (interesses das anteriores, mais as questões sociais e históricas). Tais atos dependem do contexto para a interpretação de seu sentido.
Já a Análise do Discurso procura enfatizar o funcionamento linguístico-textual dos discursos no contexto histórico-social. Possui três práticas: a tradição filológica (história e reflexão sobre os textos), a prática da explicação de textos (teoria da leitura) e base no estruturalismo (texto diferenciado dos modos de estudo da filologia). Tem influência marxista, e afirma que a ideologia é materializada pela linguagem, e seu objetivo é apreender a linguagem enquanto discurso, prática social de produção de textos, materializando o contato entre o linguístico e o não-linguístico.
Semiótica Discursiva busca explicar os sentidos do texto a partir de sua organização linguístico-discursiva e de suas relações com a sociedade e com a história. “Texto”, no caso, refere-se a produções verbais, não-verbais ou mistas.
Por fim, os Estudos Enunciativos tratam da realização vocal da língua, ou seja, da enunciação. Esse estudo sustenta que existem três funções enunciativas: o sujeito empírico (autor, agente reprodutor de discursos), o locutor (responsável pelo ato praticado, mas não pelo conteúdo), e o enunciador (vários pontos de vista percebidos no mesmo enunciado).

Módulo 4 - Diferenças e características da fala e da escrita: diferentes níveis de formalidade, organização e variação.

Fala e escrita encontram-se inseridos dentro do mesmo sistema linguísticos, porém possuem características próprias.
Alguns linguistas afirmam que a produção textual situa-se ao longo de um “continuum” tipológico, com a escrita formal e a oralidade informal em contraponto. Alguns gêneros se aproximam mais da fala e outros da escrita, e outros ainda relacionam fala e escrita intimamente; a relação entre as duas, entretanto, não é limitada. O continuum da fala, sobreposto ao da escrita, indica as diferenças e semelhanças entre as duas.
As características de inerentes à fala são: planejamento local, planejamento e verbalização concomitantes, descontinuidades frequentes no discurso, sintaxe ligada à sintaxe geral da língua, e dinamismo. A fala é uma co-produção entre os interlocutores; as pressões pragmáticas priorizam-se frente às exigências sintáticas, ocorrendo truncamentos, correções, repetições. Mas a fala não é um texto caótico, tendo estrutura própria.
Algumas interferências da oralidade ocorrem sobre a escrita, em especial quando o indivíduo é iniciante na escrita, não dominando as particularidades dessa modalidade, tais como: as repetições, usadas como mecanismo de organização na fala, com funções variadas; os organizadores textuais, que continuam tópicos da fala (e, aí, daí, então etc); a justaposição de enunciados sem marca de conexão explícita (pontuação, conjunções); o discurso citado, no estilo direto, sem verbo que introduza a fala do outro; a segmentação gráfica, através da junção e/ou divisão de palavras de acordo com o que se ouve; a grafia correspondente à palavra da forma que é ouvida; e a correção feita como em texto oral, sem apagar ou riscar a palavra errada, mas sim a colocando em seguida.
Entre as várias teorias de fala e escrita, existe a dicotômica, fala x escrita. Essa teoria deu origem ao prescritivismo gramatical e a norma linguística. Ela descreve a fala como contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa e não normatizada; já a escrita é vista como descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa e normatizada. Tal visão formalista que originou as Gramáticas Pedagógicas separa forma e conteúdo, classificando a fala como pouco complexa e as bases da escrita como conjunto de regras.
Há também a dicotomia da Oralidade x Letramento, voltada para as diferenças entre essas práticas sociais, sendo a oralidade a prática social sob várias formas ou gêneros textuais, e sendo o letramento o uso social da escrita; outra teoria é a do binômio Fala x Escrita, onde a fala é um discurso que dispensa aparato técnico, e a escrita, uma tecnologia de representação.
Marcuschi situa o texto (oral e escrito) como uma prática social, e não artefato linguístico. A fala é primária, sendo uma prática natural do ser humano, enquanto que a escrita é derivada, prática oriunda do ambiente formal, por isso prestigiada. As práticas sociais permeadas pela escrita é denominada como “letramento”, e mesmo pessoas analfabetas estão sob influência das estratégias da escrita em seu desempenho oral. Este letramento, nada mais é que o processo de aprendizagem sócio-histórica da leitura e escrita para fins utilitários, em contextos informais; já a alfabetização é o domínio ativo das habilidades de ler e escrever, e a escolarização é a prática formal de ensino para a formação do indivíduo, estando a alfabetização dentre suas atividades.
A escrita é fonte de preconceito, uma vez que relaciona desenvolvimento à alfabetização. Esta se dá sob controle do estado, portanto a aquisição da escrita sofre influências ideológicas. Já a fala é cotidiana e a oralidade ocorre em diferentes contextos.
A visão da tendência culturalista da oralidade x escrita possui perspectiva epistemológica, analisando cognitivamente os efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Para essa tendência, o domínio da escrita representa avanço nas capacidades cognitivas individuais e progresso, atribuindo à oralidade características como: pensamento concreto, raciocínio indutivo, atividade artesanal, tradicionalismo e ritualismo. Tal visão, porém, é etnocêntrica, supervaloriza a escrita e tem tratamento globalizante. Já a perspectiva variacionista trata da escrita no processo educacional e a variação entre língua padrão e não-padrão no ensino formal. Há regularidades e variações, mas não dicotomias. Por fim, a perspectiva interacional considera o continuum textual, baseando-se na relação dialógica no uso, nas estratégias de linguagem, nas funções interacionistas, no envolvimento e situacionalidade e na formulacidade. Possui baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua e defende a não polarização da relação fala x escrita, orientando-se por uma linha discursiva e interpretativa.

Conclui-se que a língua, em ambas as suas modalidades, reflete a organização da sociedade, revelando-se em práticas socioculturais específicas, não sendo uma modalidade superior à outra.

Módulo 5 - Considerações sobre a análise da conversação

A Análise da Conversação é interdisciplinar, buscando estabelecer relações com a exterioridade da linguagem, problematizando a separação entre a materialidade da língua e seus contextos de produção, mobilizando saberes de outras ciências.
Para Marcuschi a conversação é exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais, tratando da interação verbal, investigando aspectos da organização do texto conversacional.
Os linguistas devem se centrar nos detalhes estruturais do processo interativo, em três níveis essenciais: macronível (fases conversacionais: abertura, fechamento e parte central, tema central e subtemas da conversação), nível médio (turno conversacional, tomada de turnos, sequência, atos de fala, marcadores) e micronível (elementos internos do ato de fala, constituindo sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica). O objeto de estudos da Análise da Conversação é o texto, mais especificamente o texto oral, natural e presencial, produzido em situações espontâneas.
Quando há a interação, entre duas ou mais pessoas, aborda-se um ou mais tópicos discursivos, que são a base do texto oral. A organização tópica pauta-se em três propriedades: a centralização, a organicidade e a delimitação. Ao longo da conversa, tomam lugar novos tópicos ligados aos aspectos marginais do tópico anterior ou a novos conjuntos introduzidos. O planejamento da fala é local, portanto ocorre na interação, e o grau de formalidade varia.
A Análise da Conversação analisa também os recursos não verbais usados na fala. Steinberg sistematiza tais recursos em: paralinguagem (sons emitidos que não são signos, porém interferem na significação, como shiii, tsc tsc etc.), cinésica (movimentos do corpo, mãos, gestos), proxêmica (proximidade/distância entre interlocutores), tacêsica (toque durante a conversação) e silêncio (ausência de conversação). Outro ponto importante na Análise da Conversação é a organização da conversa. Os interlocutores devem falar um de cada vez, aguardando um lugar relevante para a transição, que marca o fim do turno (pausas, hesitações, marcadores), porém é possível que mais de um interlocutor fale ao mesmo tempo e que a mensagem seja entendida. Um turno pode ter o sentido de distribuição de turno ou de unidade construcional. Turnos podem ser nucleares (centrais no tópico discursivo) e inseridos (marginais ao tópico discursivo). Passagem (requerida ou consentida pelo falante), assalto (invasão de turno sem consentimento) e sustentação (tentativa de garantir a posse do turno, por alongamentos, repetições, elevação de voz etc.) da fala podem causar a mudança de turno. O texto oral é planejado e verbalizado concomitantemente, portanto utiliza-se de marcadores verbais, não-verbais e prosódicos, que marcam finalização de turno, participação e convergência. Esses marcadores são produzidos para dar tempo à organização do pensamento, manter o turno, corrigir-se, reorientar o discurso, ou, no caso do ouvinte, orientar o falante com indicações de indagação, convergência ou divergência.
A construção da compreensão no texto falado é outro ponto a ser abordado. Numa conversa, os indivíduos constroem um texto coerente, cujo sucesso é atrelado ao processo interacional, composto de atividades cooperativas e coordenadas de co-produção de sentido.


Módulo 6 - Leitura, oralidade e escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas.

Ao longo da história as práticas de Escrita e Leitura foram utilizadas como representações sócio-discursivas de diferentes classes. As práticas das classes dominantes política e economicamente foram fixadas como “bom uso” do vernáculo para melhor aquisição e acúmulo do conhecimento, para o progresso e avanço científico-tecnológico e, por fim, para a ascensão social. Sob essa perspectiva, vinculou-se à escola o papel de “ensinar”, reproduzir e reconhecer tais práticas.
As crianças atribuem à escrita e aos seus esquemas de interpretação vários sentidos e estes dependem das experiências passadas, bem como dos conhecimentos adquiridos. A escola iguala a falta de conhecimento com inaptidão para adquirir os conhecimentos acadêmicos, não reconhecendo o saber do aluno e o pré-concebe como um aluno fraco.
Para Brito (1985) o processo de produção textual é complexo, e a oralidade é vista com preconceito, conforme dispõe: “O processo de construção de redação é uma disputa (não uma integração) constante entre a competência linguística do estudante (basicamente oral, não-formal e desescolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir da imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas (...) Como esse interlocutor tem caráter fortemente repressivo e valorativo, o estudante, na necessidade de mostrar que “sabe”: - nega sua capacidade linguística oral; cria uma imagem de língua a partir das fontes que identifica com a imagem do interlocutor, isto é, relações sociais em que haja (ou o aluno identifique) marcas de autoridade, padrão culto etc.” (BRITO, 1985, p.125).

Os processos desenvolvidos, de ensino/aprendizagem, devem ser instauradores da relação de interação e interlocução. Não se trata apenas de ensinar a escrita, mas de usá-la como interação e interlocução na sala de aula, apresentando e utilizando-se a linguagem em suas várias possibilidades.
Uma forma de transformar algumas condições e procedimentos de ensino nas escolas é a utilização da literatura infantil, como uma forma de articulação das atividades e de constituição da interdiscursividade, e também implementar as várias formas de linguagem (plástica, corporal etc.) possíveis e viáveis nas situações escolares.
Logo a escrita integra o hábito, a possibilidade, a necessidade e o gosto das crianças para uma interação por escrito, ganhando força na correspondência e no registro das experiências.
“É o discurso cotidiano que começa a ser marcado pelo trabalho de escritura das crianças e que traz, portanto, as marcas da realidade sócio-cultural dos indivíduos e dos grupos em interação.” (SMOLKA, 1988, p.100).


Módulo 7 – Estratégias de leitura: cognitivas e metacognitivas.

Este módulo explana sobre as diferentes estratégias de leitura, sob o enfoque da escritora Ângela Kleiman (2004), visando a aprendizagem da capacidade de ler. Ela enfatiza a possibilidade de que a leitura pode e deve ser ensinada, focando o desenvolvimento de estratégias de leitura e de habilidades. A própria autora apresenta duas estratégias: a cognitiva, que é constituída pelas operações inconscientes do leitor que ele utiliza quando vai ler, e a metacognitivas, que em oposição à anterior, é quando fazemos algo que tem o objetivo de melhorar a compreensão do texto, como por exemplo, ler novamente.
Essas estratégias proporcionam uma ferramenta extra ao leitor iniciante, porque ele vai possuir varias maneiras de compreender o texto.
O leitor deve ter liberdade para escolher a sua leitura, assim ele escolherá algo que já conhece o que permite que ele utilize seus conhecimentos prévios e mais outros.
Entretanto, a autora enfatiza que a interpretação deve ser auxiliada pelo educador, porque o leitor iniciante pode acabar não entendendo a mensagem e assim a leitura se torna vaga, o que não desenvolve sua competência como leitor. Cabem aos docentes escolherem textos verbais e não verbais para definir os objetivos da leitura.

Módulo 8 – Leitor analisador e leitor (re)construtor.


    Segundo Kato (1999) existem dois tipos principais de leitores, o analisador, que olha todo o texto primeiro, e procura entender pelo que percebeu todo o resto do texto, e o construtor, que faz uso dos conhecimentos prévios, sem utilizar a questão visual. O leitor que utilizar os dois métodos, poderá ter uma compreensão bem mais ampla do texto, sem deixar de levar em conta a questão do cooperativismo entre o leitor e o escritor do texto. A autora ainda afirma que partindo do pressuposto de que a leitura é um ato de comunicação regido por regras conversacionais, o escritor e o leitor criam um contrato de cooperativismo: escritor informativo / leitor compreensivo, escritor sincero / leitor crédulo, escritor relevante / leitor assertivo e, por último, escritor claro / leitor que espera o uso de recursos linguísticos simples. Porém, esse leitor-cooperativo espera que esses quatro princípios estejam sempre presentes, ou poderá significar para esse leitor que o autor está ocultando seu desejo real. Segundo Kato, aí nota-se a violação da sinceridade, pois alguns leitores, levados pelo princípio de cooperação, pensarão tratar-se de uma brincadeira do autor, enquanto outros tentarão adivinhar o termo que ocorre nessa posição, evidenciando, neste último caso, a hipótese descendente de leitura. Mesmo que coexistam entre escritor e leitor o cooperativismo, a inexistência de uma correspondência biunívoca entre forma, função e até o desconhecimento sobre uma ambiguidade, muitas vezes não pretendida pelo escritor, faz da leitura um processo incapaz de extrair o sentido final do texto. Ele apenas incita o leitor a algumas interpretações, nem sempre intencionalmente colocadas pelo escritor. O texto, além de uma unidade formal, é uma unidade de comunicação, e a leitura se torna o ato de reconstrução dos processos de sua produção. Essa interação leitor-autor prega que a recepção é um processo no qual o leitor se coloca seguindo as trilhas deixadas pelo autor, colocando-se na sua posição para entender seus objetivos. A partir deste percurso constrói-se o leitor-reconstrutor.

Trabalho desenvolvido com embasamento teórico no material didático da disciplina Teorias do Texto, disposto no ambiente virtual da Universidade Paulista - UNIP.



sexta-feira, 29 de maio de 2015

As Teorias do Texto : uma síntese
Por Alexandre de Oliveira, Camila Uemura, Francisco de Almeida e Nataline Cesar

1. O nascimento de uma Linguística do Texto: da frase ao texto - as três fases de construção da Linguística Textual

É de suma importância pensar a estrutura do texto como uma unidade de análise linguística. Por mais que pareça óbvio entender o texto como unidade de análise linguística e por mais que se faça evidente a necessidade de estudá-lo em sua estrutura e construção, desvendando o seu processamento, organização, modalidades e gêneros, é bom lembramos de que isso nem sempre foi um consenso e que tais ideias nem sempre foram aceitas.
Sendo assim, o campo científico denominado Linguística Textual nasce de um intenso e extenso esforço teórico que defende que toda a Linguística é necessariamente Linguística de Texto. Tal visão e método científicos confrontam-se e opõem-se fortemente ao campo teórico da Linguística Estrutural, movimento pioneiro e demarcador dos estudos linguísticos no parâmetro científico, que teve seu período de ascensão e reconhecimento do final do século XIX até a metade do XX, aproximadamente, e que traz como fundamentos balizares as ideias postuladas pelo linguista suíço Ferdinand Saussure.
A saber, em função de seu crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, a Linguística Estrutural acabou chamando a atenção de outros olhares teóricos também relacionados à linguagem para além do formalismo estruturalista (história, antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia etc) e cresceu ainda mais a necessidade de ampliar seus domínios, bem como o interesse em sanar possíveis lacunas e insuficiências dessa ciência piloto, afinal uma ciência nunca está fechada, pronta e acabada!
Nesse sentido, a partir da década de 60, surgem lugares de ruptura na fronteira com o Estruturalismo linguístico e dissidências se fazem, constituindo (a partir de vários aspectos teóricos lacônicos, insuficientes, pouco explorados, marginalizados etc) novos campos teóricos da linguística, na maioria deles em franca ruptura com algumas das ideias do estruturalismo linguístico, por exemplo:
¨a sociolinguística
¨a etnolinguística
¨a psicolinguística
¨a neurolinguística
¨a pragmática
¨a análise da conversação
¨a análise do discurso
¨a semântica
¨a gramática gerativo-transformacional
¨e especialmente aqui a Linguística Textual, entre outros campos, é claro
Alguns dos aspectos mais importantes que foram criticados na tradição estruturalista e que serviram ponto de partida para a instauração da Linguística textual, no sentido de serem obstáculos a serem superados foram:
a delimitação da frase (e não do texto) como unidade máxima de análise
a desimportância relegada ao texto e sua organização global
a desconsideração da Fala (do texto falado) e seus aspectos funcionais e organizacionais
e por fim a total desconsideração do sujeito (falante) e da situação comunicativa na análise linguística.
É importante salientar mais uma vez que tais aspectos problemáticos, caracterizadores das lacunas da tradição linguístico-estrutural, levaram esse “lugar de ruptura teórica”, os estudos do texto, a empenhar-se:
em ir além dos limites da frase;
em reintegrar o sujeito e a situação sócio-comunicativa ao escopo de investigação teórica; e
em desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas modalidades oral e escrita, a partir de sua organização estrutural, processamento cognitivo e funcionamento sócio-interacional, instaurando assim a Linguística Textual (doravante LT).
É importante perceber que não houve precisamente uma sucessão cronológica na transposição de uma fase à outra. O que melhor caracteriza a mudança de uma fase para a outra é muito mais a ampliação e aprofundamento gradual dos estudos da LT, marcando cada vez mais fortemente o seu afastamento em relação à Linguística Estrutural. Cada nova fase busca superar os limites e insuficiências da fase anterior. Conforme descrevem Bentes, 2007; Indursky, 2006; Marcuschi, 1983 e Koch, 2009; 2007; 2006, (entre outros autores clássicos desse campo científico), estas três fases da LT costumam ser conhecidas como:
¨1a. Fase Transfrástica.
¨2a. Fase da Gramática Textual.
¨3a. Fase da Teoria do Texto.
É bom lembrar que apesar de não se poder levar em conta datas precisas quanto ao início e fim de cada uma das fases, é possível contextualizar aproximadamente (e superficialmente) a Fase Transfrástica na década de 1960, a Fase da Gramática Textual na década de 1970 e a Fase da Teoria do Texto a partir da década de 1980 até os dias de hoje.
I. Fase Transfrástica – a própria designação já aponta o principal interesse dessa fase, a análise transfrástica que vai além dos limites da frase. Esta fase volta-se para os fenômenos linguísticos que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da frase. Considerar
o conhecimento intuitivo do falante acerca das relações a serem estabelecidas entre sentenças e o fato de nem todo texto apresentar o fenômeno da co-referenciação... [constituíram] fortes motivos para a construção de uma outra linha de pesquisa, que não considerasse o texto apenas uma simples soma... de frases.” (BENTES, op.cit., p.249).
II. Fase da Gramática Textual – essa fase apoiou-se no objetivo de criar gramáticas textuais. Mesmo considerando-se já um bom desenvolvimento nas investigações da LT, acreditava-se ser o texto um sistema uniforme, estável e abstrato e, nesse ponto, ainda se aproximavam um pouco da forma como o estruturalismo descrevia a língua (sistema uniforme, estável e abstrato). As gramáticas textuais refletiam acerca de fenômenos linguísticos não explicáveis por uma gramática da frase.
O texto é tomado como a maior unidade linguística de análise que pode ser decomposto (e recomposto) em unidades menores classificáveis numa gramática do texto, buscando assim descrever que papel cada elemento desempenha textualmente. Assim, como o Gerativismo considera a competência linguística do Falante Ideal que detém o conhecimento internalizado de todas as regras da língua (mesmo que não seja levado a usá-las socialmente, ou seja, ele tem a competência, mas não necessariamente o desempenho).
Nesse sentido, o falante possuiria três capacidades textuais básicas, conforme aponta Charolles (1989 apud BENTES, op.cit., p.250):
¨1a. a capacidade formativa (produzir e compreender)
¨2a. a capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir)
¨3a. a capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, descrição, argumentação)
III. Fase da Teoria do Texto – conforme sintetizam Bentes 2007 e Indursky 2006, diferentemente das gramáticas textuais que tencionavam a competência textual de falantes/ouvintes ideais, nessa fase, busca-se
investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso[1]... [adquirindo] particular importância ... [o] seu contexto pragmático [ou seja,] o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos textos.” (BENTES, op.cit., p.251).
A língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato (virtual), mas atual, em funcionamento, em uso efetivo. Nessa medida, o texto deixa de ser visto como um produto formal pronto e acabado (ideal) e passa a ser entendido como um processo (real) em funcionamento.
Assim como a LT evoluiu ao longo de suas três fases, o conceito de Texto também evoluiu.
I. Em um primeiro momento (Fase Transfrástica), o texto é concebido como:
• “uma sequência pronominal ininterrupta” (dada a ênfase na questão da co-referenciação)
• “uma sequência coerente de enunciados”
• “forma de organização do material linguístico”
• “unidade linguística superior à frase”
II. Em um segundo momento (Fase da Gramática Textual), o texto é concebido como:
• “complexo de proposições sintático-semânticas” (apresenta um conjunto de conteúdos)
• “estrutura pronta e acabada” que obedece a uma estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de textualidade:
- Coesão;
- Coerência;
- Aceitabilidade;
- Informatividade;
- Situacionalidade;
- Intertextualidade; e
- Intencionalidade.
• “produto de uma competência linguística idealizada” (ênfase no aspecto formal do texto – extensão e constituintes)
• “maior unidade linguística com sequência coerente e consistente de signos linguísticos.”
Por outro lado, um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro pode não fazer nenhum sentido. Ou seja, um texto pode fazer sentido para uns e para outros não! Considere-se ainda que, no texto em questão, o autor não prioriza as informações do texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas como do universo feminino.
Para esta terceira fase, o texto não pode ser entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização, e construção.
Resumindo:
1a FASE – Transfrástica
O texto é concebido como:
È uma sequência pronominal ininterrupta – ênfase no fenômeno de correferenciação;
È uma sequência coerente de enunciados – encadeamento lógico, através da conectividade;
È uma forma de organização do material linguístico – sequenciamento lógico com início, meio e fim;
È unidade linguística superior à frase – unidade de análise mais complexa e completa.
2a FASE – Gramáticas Textuais
Considera a separação entre Texto X Não-Texto. O texto é concebido como:
È u m complexo de proposições sintático-semânticas - apresenta um conjunto de conteúdos que se organizam na superfície textual em função da coerência e da coesão;
È uma estrutura pronta e acabada – equivalente a um modelo formal e ideal definido à priori;
È produto de uma competência linguística idealizada do ponto de vista de um falante ideal e de um modelo de texto ideal - ênfase no aspecto formal do texto em sua extensão e seus constituintes;
È a maior unidade linguística com sequenciamento de signos linguísticos coeso (microestrutura), coerente (macroestrutura) e consistente.
3a FASE – Teoria do Texto
Desconsidera a separação Texto X Não-Texto. O texto não pode ser entendido como um produto, uma estrutura pronta e acabada e passa a ser concebido como:
. uma atividade verbal, consciente e interacional entre falante/ouvinte – leitor/leitor;
. um conjunto de operações lingüísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção, seja de natureza escrita ou oral;
. um processo com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização e construção. Sua organização envolve a coesão ao nível dos constituintes lingüísticos, a coerência ao nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações ao nível pragmático da produção, no plano das ações e intenções dos falantes.

2. Construindo sentidos no texto: organização estrutural e processamento textual

Uma vez reconstruído o panorama teórico da constituição da LT de seu nascimento, desenvolvimento até à caracterização de seu objeto de estudo (o texto) no perfil atual e vigente deste campo de investigação, agora serão apresentadas algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao contexto interacional. Essa descrição será topicalizada da seguinte maneira: I. Processamento textual e II. Organização estrutural:

I. Processamento textual – o texto deve sempre ser entendido como um processo. O processamento textual acontece através de sistemas de conhecimento acionados no texto e no contexto de produção (KOCH, op.cit). Na produção textual, toda ação (fazer) é necessariamente acompanhada de processos de ordem cognitiva, de maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais. Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. Tais atividades geram expectativas e isso compõe um projeto nas atividades de compreensão e produção do texto.
Três grandes sistemas de conhecimento, responsáveis pelo processamento textual:
1) Conhecimento linguístico: diz respeito ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e pela organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos coesivos.
2) Conhecimento enciclopédico ou de mundo: corresponde às informações armazenadas na memória de cada sujeito. O conhecimento do mundo abrange o conhecimento declarativo, manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo (“A Ponta do Seixas, na Paraíba, é o extremo leste do continente americano”; “São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil”) e o conhecimento episódico e intuitivo, adquirido por via da experiência (“Não dá para fritar o ovo sem quebrar a casa”).
3) Conhecimento interacional: compreende dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de certas ações por meio da linguagem. Divide-se em:
a) conhecimento ilocucional: (meios diretos e indiretos para atingir um objetivo);
b) conhecimento comunicacional: (meios adequados para atingir os objetivos desejados);
c) conhecimento metacomunicativo: (meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação - atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc.);
d) conhecimento superestrutural: (modelos textuais globais que permitem aos usuários reconhecer um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos).
Tais formas de conhecimento são estruturadas em modelos cognitivos. Nessa medida, os conceitos são organizados em blocos, formando uma rede de relações, de forma que um dado conceito sempre aciona uma série de entidades. É o caso da eleição, à qual se associam: políticos, eleitores, corrupção, CPI, leis, senado, dinheiro e hoje em dia até cuecas! É por causa dessa estruturação que o conhecimento enciclopédico transforma-se em conhecimento procedimental e fornece instruções para agir em situações particulares e agir em situações específicas.
II. Organização estrutural – de modo geral, alguns autores, como por exemplo, Dijk (2000), Koch (1997a), Fávero (1995) e Kleiman (2004), orientam uma organização textual a partir de três níveis estruturais, inter-relacionáveis entre si: Superestrutural, Macroestrutural e Microestrutural.
# SUPERESTRUTURAL – ou de nível global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas.
# MACROESTRUTURAL – ou de nível semântico, com ênfase nas relações de coerência textual.
# MICROESTRUTURAL – ou de nível de superfície lingüística, com ênfase nas relações de coesão textual.
Quanto ao nível SUPERESTRUTURAL, este se refere tanto às estruturas textuais globais que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos (ver exemplos abaixo), como também envolve o conhecimento sobre estratégias esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. São estratégias facilitadoras na produção/recepção de textos que acionam na memória o conhecimento armazenado, através de modelos globais como, esquemas, frames scripts e planos.
MODELOS GLOBAIS

# Frames
Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória sem uma organização seqüencial que acionamos cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o frame “festa de aniversário”, acionamos o conjunto “balões, brigadeiros, bolo, vela, crianças, salgados, presente etc” sem uma necessária ordem desses elementos. Outros exemplos de frames: natal, carnaval, correios etc
# Esquemas
Certo conjunto convencional de elementos armazenados na memória e organizados seqüencialmente que acionamos cognitivamente numa situação de uso. Por exemplo, ao se mencionar o esquema “um dia de trabalho”, acionamos o conjunto numa determinada ordem “acordar, levantar, fazer xixi, tomar banho, vestir-se, tomar café, sair de casa, chegar ao trabalho, trabalhar até meio dia, sair para o almoço... etc”.
# Planos
Modelos de comportamento manifestados pelas pessoas no sentido de alcançarem um certo propósito e que são acionados numa situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica produzida pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções. Por exemplo, um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para viajar sozinho.
# Scripts
São planos mais estabilizados ou estereotipados com rotina bem estabelecida e que geralmente especificam papéis e ações dos interlocutores. Por exemplo, carta de amor, infância, novela etc.
Quanto ao nível MACROESTRUTURAL, este se refere às relações de coerência textual, responsáveis por construir a significação global no texto através dos processos de produção e compreensão textual, analisados numa leitura top-down (no eixo vertical). A coerência textual é considerada fundamental para a textualidade, pois dela depende em grande parte o sentido do texto. A construção da coerência textual depende da organização tentacular de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais e pragmáticos. Autores como Costa Val (2006) e Platão e Fiorin (1996), apresentam a coerência como responsável pela diferença entre um texto e um aglomerado de frases. É pela coerência que as idéias são conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão semântica global. Platão e Fiorin (1996, p. 397-400), apresentam diferentes níveis de coerência:
# Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as partes da narrativa. (...)
# A coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou de adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se fazem deles decorrer. (...)
# Coerência figurativa diz respeito à combinatória de figuras para manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si. (...)
# Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo. (...)
# Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista da localização espacial. (...)
# Coerência no nível de linguagem usado e a compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintéticas utilizados no texto. (...)
Importantes critérios de textualidade, entre os quais os mais importantes são:
-no Princípio de interpretabilidade – depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de comunicação e da intenção comunicativa. Não há textos incoerentes em si, eles são coerentes dentro de um contexto interacional e o que pode ser incoerente para um pode fazer todo sentido para outro.
- è Situação comunicativa – interfere na produção/recepção do texto e pode ser entendida em sentido estrito (contexto imediato) e em sentido amplo (contexto sócio-político-cutural).
- è Conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento de mundo é toda memória de vida (social, histórica e individual) armazenada mentalmente e o conhecimento partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor e receptor na interação comunicativa.
- è Polifonia – (várias vozes) diz respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. Muitas vezes a mudança de vozes nem sempre aparece nitidamente marcada no texto.
- è Inferência – relaciona-se às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais: frames, esquemas, planos, scripts.
- è Intertextualidade – é um fator importante para o processamento cognitivo do texto, na medida em que recorre ao conhecimento de outros textos. Todo texto traz em si, em níveis variáveis, um grau de intertextualidade, seja ela explícita (quando há indicação da fonte) ou implícita (quando não há indicação da fonte).
- è Intencionalidade – esse critério tem uma forte relação com a argumentatividade e refere-se à forma como os sujeitos usam textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados. - è Informatividade – é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo” referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações novas alto, intermediário ou baixo. É importante salientar que esse critério também depende da interação emissor/receptor: o texto “a terra é redonda” pode ter nível zero de informação para um e ter nível alto de informação para outro (uma criança, por exemplo).
Quanto ao nível MICROESTRUTURAL, este se refere às relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados através de recursos linguísticos, constituindo seqüências veiculadoras de sentido. Diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal do texto. Trata da manifestação linguística da coerência e apresenta-se na forma como conceitos e relações subjacentes são expressos no texto. A coesão é construída através de mecanismos gramaticais (pronomes anafóricos, catafóricos, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos verbais, conjunções, etc.), que definem as relações entre frases e sequência de frases e no interior das mesmas, e lexicais, através da reiteração, da substituição e da associação (cf. COSTA VAL, 2006, p.6). As várias possibilidades de coesão textual podem ser agrupadas em três grandes tipos (cf. FÁVERO, 1995):
1) Coesão referencial
2) Coesão recorrencial
3) Coesão seqüencial
Diz respeito aos elementos que têm a função de estabelecer referência. Não são interpretados pelo seu sentido próprio, mas referem-se a alguma outra coisa, relacionando o signo a um objeto. A coesão referencial é obtida por meio da substituição e reiteração de termos.
Esta se dá quando, apesar de retomadas estruturais, a informação progride, o discurso segue a diante. A coesão recorrencial é obtida por meio da recorrência de termo, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos.
Esta tem por função (assim como a recorrencial) fazer o texto progredir, encaminhar o fluxo informacional, porém não pela retomada de itens ou estruturas, mas pela seqüenciação das sentenças através de mecanismos temporais e conectivos.

3. Outras teorias cujo objeto de estudo é o texto

Devido à ruptura com o estruturalismo, em outras áreas também surgiram novos campos de investigação, muitos dos quais tomaram o texto, e não a frase, como objeto de estudo.
Um desses campos é a Sociolinguística, que investiga a relação entre linguagem e sociedade, postulando o princípio da diversidade linguística. Faz parte da corrente das orientações teóricas contextuais e funcionais, analisando ainda as relações de poder ligadas à linguagem, e busca relacionar variações linguísticas a diferenciações na estrutura social de uma sociedade. Para isso, considera fatores socialmente definidos, como: identidade social do falante e do ouvinte, contexto social e o julgamento linguístico-social feito pelos falantes sobre si e os outros. A prioridade da Sociolinguística é o estudo da língua falada em seu contexto social, especialmente a questão das minorias linguísticas e do insucesso escolar de crianças de grupos sociais desfavorecidos. A língua é vista, ainda, como variável de diversas formas.
Já a Pragmática analisa o uso concreto da linguagem e as condições que governam esse uso, considerando a fala, sem observar a Língua isolada de sua produção social. Ela interessa-se por elementos criativos e inovadores no processo de uso da linguagem, como o erro, a exceção e a licença poética. Suas principais correntes são o Pragmatismo Americano (inclusão do sujeito na construção do sentido), os Estudos dos Atos de Fala (linguagem ligada à ação e interação) e os Estudos da Comunicação (interesses das anteriores, mais as questões sociais e históricas). A Teoria dos Atos de Fala é a mais influente atualmente. Para ela, os enunciados são performativos (realizam ações ao serem ditos) ou constativos (apenas uma afirmação ou constatação), e os atos são locucionários (dizem alguma coisa), ilocucionários (reflete a posição do locutor em relação ao que diz) e perlocucionários (produzem certos efeitos e consequências sobre os interlocutores ou outras pessoas). Tais atos dependem do contexto para a interpretação de seu sentido.
A Análise do Discurso, por sua vez, enfatiza o funcionamento linguístico-textual dos discursos no contexto histórico-social. Possui três práticas: a tradição filológica (história e reflexão sobre os textos), a prática da explicação de textos (teoria da leitura) e base no estruturalismo (texto diferenciado dos modos de estudo da filologia). Tem influência marxista, e afirma que a ideologia é materializada pela linguagem, e seu objetivo é apreender a linguagem enquanto discurso, prática social de produção de textos, materializando o contato entre o linguístico e o não-linguístico.
A Semiótica Discursiva também possui o texto como objeto de estudo, e busca explicar os sentidos do texto a partir de sua organização linguístico-discursiva e de suas relações com a sociedade e com a história. “Texto”, no caso, refere-se a produções verbais, não-verbais ou mistas.
Os Estudos Enunciativos tratam da realização vocal da língua, ou seja, da enunciação. De acordo com Ducrot, existem três funções enunciativas: o sujeito empírico (autor, agente reprodutor de discursos), o locutor (responsável pelo ato praticado, mas não pelo conteúdo), e o enunciador (vários pontos de vista percebidos no mesmo enunciado).

4. Diferenças e características da fala e da escrita: diferentes níveis de formalidade, organização e variação

Embora sejam modalidades do mesmo sistema linguístico, a fala e a escrita têm características próprias.
Os estudiosos da língua afirmam que a produção textual situa-se ao longo de um “continuum” tipológico, com a escrita formal e a oralidade informal nas extremidades. Alguns gêneros se aproximam mais da fala e outros da escrita, e outros ainda relacionam fala e escrita intimamente; a relação entre as duas, entretanto, não é limitada. O continuum da fala, sobreposto ao da escrita, indica as diferenças e semelhanças entre as duas.
A partir da década de 60, alguns estudiosos atribuíram, de forma preconceituosa, características à fala e à escrita. Entretanto, a diferenciação realizada não procedia, pois as características não eram exclusivas das modalidades, podendo apresentar-se em ambas dependendo do gênero textual.
As características de fato inerentes à fala são: planejamento local, planejamento e verbalização concomitantes, descontinuidades frequentes no discurso, sintaxe ligada à sintaxe geral da língua, e dinamismo. A fala é uma co-produção entre os interlocutores; as pressões pragmáticas priorizam-se frente às exigências sintáticas, ocorrendo truncamentos, correções, repetições. Mas a fala não é um texto caótico, tendo estrutura própria.
Algumas interferências da oralidade ocorrem sobre a escrita, em especial quando o indivíduo é iniciante na escrita, não dominando as particularidades dessa modalidade. Há, por exemplo, a questão da referência: enquanto na fala, situação frequentemente presencial, é possível indicar o objeto a que a pessoa se refere por meio de gestos, na escrita isso não acontece, sendo necessário o uso de pronomes e outras estruturas linguísticas para garantir a clareza do discurso. Outras interferências são: as repetições, usadas como mecanismo de organização na fala, com funções variadas; os organizadores textuais, que continuam tópicos da fala (e, aí, daí, então etc); a justaposição de enunciados sem marca de conexão explícita (pontuação, conjunções); o discurso citado, no estilo direto, sem verbo que introduza a fala do outro; a segmentação gráfica, através da junção e/ou divisão de palavras de acordo com o que se ouve; a grafia correspondente à palavra da forma que é ouvida; e a correção feita como em texto oral, sem apagar ou riscar a palavra errada, mas sim colocando-a em seguida.

Dentre as perspectivas teóricas em relação à fala e à escrita, há a visão da dicotomia Fala x Escrita, que as polariza. Essa teoria originou o prescritivismo gramatical e a norma linguística. Ela descreve a fala como contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa e não normatizada; já a escrita é vista como descontextualizada, explícita, condensada, planejada, precisa e normatizada. Tal visão formalista que originou as Gramáticas Pedagógicas separa forma e conteúdo, classificando a fala como pouco complexa e as bases da escrita como conjunto de regras.
Outras teorias são as da Oralidade x Letramento, voltada para as diferenças entre essas práticas sociais, sendo a oralidade a prática social sob várias formas ou gêneros textuais, e sendo o letramento o uso social da escrita; e o binômio Fala x Escrita, voltado às diferenças entre essas duas modalidades de uso da língua, sendo a fala um discurso que dispensa aparato técnico, e a escrita, uma tecnologia de representação.
Já a teoria da oralidade e escrita no contexto das práticas sociais, de Marcuschi, situa o texto (oralidade e escrita) como prática social, e não artefato linguístico.
A fala é primária, sendo prática social cotidiana natural do ser humano, enquanto a escrita é derivada, prática de ambiente formal, por isso prestigiada. Todas as práticas sociais são permeadas pela escrita sob a forma de “letramento”, e mesmo pessoas analfabetas estão sob influência das estratégias da escrita em seu desempenho oral.
Vale lembrar que letramento não é alfabetização. Letramento é o processo de aprendizagem sócio-histórica da leitura e escrita para fins utilitários, em contextos informais; alfabetização é o domínio ativo das habilidades de ler e escrever. Já a escolarização é a prática formal de ensino para a formação do indivíduo, estando a alfabetização dentre suas atividades.
A escrita é fonte de preconceito, uma vez que relaciona desenvolvimento à alfabetização. Esta se dá sob controle do estado, portanto a aquisição da escrita sofre influências ideológicas. Já a fala é cotidiana e a oralidade ocorre em diferentes contextos.
A visão da tendência fenomenológica de caráter culturalista da oralidade x escrita possui perspectiva epistemológica, observando as práticas sociais da oralidade x escrita, analisando cognitivamente os efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto psico-sócio-econômico-cultural. Para ela, o domínio da escrita representa avanço nas capacidades cognitivas individuais e progresso, atribuindo à oralidade características como: pensamento concreto, raciocínio indutivo, atividade artesanal, tradicionalismo e ritualismo. Tal visão, porém, é etnocêntrica, supervaloriza a escrita e tem tratamento globalizante.
A perspectiva variacionista trata da escrita no processo educacional e a variação entre língua padrão e não-padrão no ensino formal. Há regularidades e variações, mas não dicotomias. Marcuschi argumenta, entretanto, que fala e escrita não são dialetos, e sim modalidades de uso da língua, sendo o aluno bimodal.
A perspectiva interacional consideram o continuum textual, baseando-se na relação dialógica no uso, nas estratégias de linguagem, nas funções interacionistas, no envolvimento e situacionalidade e na formulaicidade. Possui baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua. Essa visão observa a diversidade de formas textuais produzidas por monólogo e diálogo, tratando também de fenômenos de compreensão na interação verbal e no texto escrito. Defende a não polarização da relação fala x escrita, orientando-se por uma linha discursiva e interpretativa.
Portanto, não se pode polarizar fala x escrita. A língua, em ambas as suas modalidades, reflete a organização da sociedade, revelando-se em práticas socioculturais específicas, não sendo uma modalidade superior à outra.

5. Considerações sobre a análise da conversação

A Análise da Conversação é interdisciplinar, buscando estabelecer relações com a exterioridade da linguagem, problematizando a separação entre a materialidade da língua e seus contextos de produção, mobilizando saberes de outras ciências.
Para Marcuschi, autor do primeiro livro na área no Brasil, a conversação é exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações interpessoais. Ela trata da interação verbal, investigando aspectos da organização do texto conversacional.
Os analistas devem se centrar nos detalhes estruturais do processo interativo, em três níveis essenciais: macronível (fases conversacionais: abertura, fechamento e parte central, tema central e subtemas da conversação), nível médio (turno conversacional, tomada de turnos, sequência, atos de fala, marcadores) e micronível (elementos internos do ato de fala, constituindo sua estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica).
O objeto de estudos da Análise da Conversação é o texto, mais especificamente o texto oral, natural e presencial, produzido em situações espontâneas.
Quando duas ou mais pessoas conversam, aborda-se um ou mais tópicos discursivos, que são a base do texto oral. A organização tópica pauta-se em três propriedades: a centração, a organicidade e a delimitação.
O tópico discursivo (aquilo sobre o que se fala) é o fio condutor da conversação, da organização linear do discurso, e sua unidade funcional é o turno (tempo que cada falante ocupa). A conversa é atividade co-produtiva sem controle exato de intervenção, mas há uma negociação entre os interlocutores no curso da conversa.
Ao longo da conversa, tomam lugar novos tópicos ligado a aspectos marginais do tópico anterior ou a novos conjuntos introduzidos. O planejamento da fala é local, portanto ocorre na interação, e o grau de formalidade varia.
Na Análise da Conversação, há alguns pontos de especial importância. Um deles é o tratamento dos dados orais. Para que um analista possa observar e transcrever uma conversa fielmente, é necessário que ela seja gravada ou filmada. A transcrição deve ser legível, mesmo que aspectos fundamentais sejam privilegiados. Assim, existem normas de transcrição específicas.
A Análise da Conversação analisa também os recursos não verbais usados na fala. Steinberg sistematiza tais recursos em: paralinguagem (sons emitidos que não são signos, porém interferem na significação, como shiii, tsc tsc etc.), cinésica (movimentos do corpo, mãos, gestos), proxêmica (proximidade/distância entre interlocutores), tacêsica (toque durante a conversação) e silêncio (ausência de conversação).
Outro ponto importante na Análise da Conversação é a organização da conversa. Durante uma conversa, os interlocutores devem falar um de cada vez, aguardando um lugar relevante para a transição (LRT), que marca o fim do turno (pausas, hesitações, marcadores). Entretanto, é possível que mais de um interlocutor fale ao mesmo tempo e que a mensagem seja entendida.
Um turno pode ter o sentido de distribuição de turno ou de unidade construcional. Turnos podem ser nucleares (centrais no tópico discursivo) e inseridos (marginais ao tópico discursivo). Passagem (requerida ou consentida pelo falante), assalto (invasão de turno sem consentimento) e sustentação (tentativa de garantir a posse do turno, por alongamentos, repetições, elevação de voz etc.) da fala podem causar a mudança de turno.
Os marcadores conversacionais também são um ponto importante da Análise da Conversação. O texto oral é planejado e verbalizado concomitantemente, portanto utiliza-se de marcadores verbais, não-verbais e prosódicos, que marcam finalização de turno, participação e convergência. Esse marcadores são produzidos para dar tempo à organização do pensamento, manter o turno, corrigir-se, reorientar o discurso, ou, no caso do ouvinte, orientar o falante com indicações de indagação, convergência ou divergência.
Os marcadores são divididos em quatro grupos: simples (um item lexical, “mas”, “aí”), compostos (sintagmas estereotipados, “sim mas”, “bom mas aí”), oracionais (pequenas orações, “sim mas me diga”) e prosódicos (entonação, pausa, hesitação, tom de voz).
A construção da compreensão no texto falado é outro ponto a ser abordado. Numa conversa, os indivíduos constroem um texto coerente, cujo sucesso é atrelado ao processo interacional, composto de atividades cooperativas e coordenadas de co-produção de sentido. Dentre as atividades de compreensão, destacam-se: a negociação, a construção de um foco comum, a demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento, a existência e diversidade de expectativas, e as marcas de atenção.

6. Leitura, oralidade e escrita: práticas linguísticas, sociais e pedagógicas

Historicamente, as práticas de Escrita e Leitura se configuraram como representações sócio-discursivas de diferentes classes e aquelas práticas relacionadas às classes econômico e politicamente dominantes foram atreladas ao “bom uso” do vernáculo, à aquisição e acúmulo do conhecimento (e sua organização), ao progresso e avanço científico-tecnológico e à ascensão social. Nessa perspectiva, vinculou-se à escola, sobretudo, o papel de “ensinar”, reproduzir e reconhecer tais práticas.
Os sentidos que as crianças atribuem à escrita, seus esquemas de interpretação, são variados e dependem das experiências passadas, bem como dos conhecimentos adquiridos – a escola confunde falta de conhecimento com inaptidão para adquirir os conhecimentos acadêmicos, não reconhecendo o saber do aluno e rotulando-os: “os alunos fracos”, “os que não sabem”.
Sobre a questão da oralidade na escola, Brito (1985) postula que “O processo de construção de redação é uma disputa (não uma integração) constante entre a competência linguística do estudante (basicamente oral, não-formal e desescolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir da imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas (...) Como esse interlocutor tem caráter fortemente repressivo e valorativo, o estudante, na necessidade de mostrar que “sabe”: - nega sua capacidade linguística oral; cria uma imagem de língua a partir das fontes que identifica com a imagem do interlocutor, isto é, relações sociais em que haja (ou o aluno identifique) marcas de autoridade, padrão culto etc.” (BRITO, 1985, p.125).
Geraldi (1985) conclui que, nessas condições, quanto menos conhecimento específico sobre a linguagem escrita (metalinguístico) a criança tem, mais noção da funcionalidade escrita ela demonstra.
As situações de ensino/aprendizagem devem ser instauradoras da relação de interação e interlocução – ela é objeto de conhecimento e constitutiva do conhecimento na interação. Não se trata apenas de ensinar (no sentido de transmitir) a escrita, mas de usá-la como interação e interlocução na sala de aula, experimentando a linguagem nas suas várias possibilidades.
Buscando, então, transformar algumas condições e procedimentos de ensino nas escolas, começamos a usar, como uma das formas de articulação das atividades e de constituição da interdiscursividade, a literatura infantil. Além da literatura, procurávamos implementar as várias formas de linguagem (plástica, corporal etc.) possíveis e viáveis nas situações escolares. E por que a utilização da literatura? “Porque a literatura, como discurso escrito, revela, registra e trabalha formas e normas do discurso social; ao mesmo tempo, instaura e amplia o espaço interdiscursivo, na medida em que inclui outros interlocutores – de outros lugares, de outros tempos – criando novas condições e novas possibilidades de troca de saberes, convocando os ouvintes/leitores a participarem como protagonistas no diálogo que se estabelece”. (SMOLKA, 1988, p.80).
Nesse processo, a escrita integra o habitus e a possibilidade, a necessidade e o gosto (também forjados socialmente) da interação por escrito ganham força na correspondência e no registro das experiências. Mas relato e ficção se fundem, se confundem: o imaginário também ganha força. Fatos e crenças, ritos e mitos, medos e desejos são explicitados. “É o discurso cotidiano que começa a ser marcado pelo trabalho de escritura das crianças e que traz, portanto, as marcas da realidade sócio-cultural dos indivíduos e dos grupos em interação.” (SMOLKA, 1988, p.100).

7. Estratégias de leitura: cognitivas e metacognitivas.

Neste conteúdo as ideias irão circular em torno dos pensamentos da autora Ângela Kleiman (2004), ela explica sobre as estratégias da leitura, visando a aprendizagem da capacidade de ler, e foca na questão da viabilidade de ensinar a ler porque isso é algo singular, a construção do significado se configura num contexto e diante a interação autor/leitor.
O ensino da leitura deve focar o desenvolvimento de estratégias de leitura e de habilidades.
A autora aborda duas estratégias: as estratégias cognitivas, que são as operações inconscientes do leitor que ele utiliza quando vai ler.
A segunda, são as estratégias metacognitivas, são o oposto da anterior, é quando fazemos algo que tem o objetivo de melhorar a compreensão do texto, como por exemplo, ler novamente.
Essas estratégias proporcionam uma capacidade a mais para o leitor aprendiz, porque ele vai possuir varias maneiras de compreender o texto.
O leitor também deve ter liberdade para escolher o que vai ler, com isso, geralmente, ele escolhera algo que já conhece, utilizando seus conhecimentos prévios e mais outros.
Os professores devem escolher textos verbais e não verbais para definir os objetivos da leitura, os textos publicitários é um dos que seguem essa forma.
No entanto, a autora enfatiza que a interpretação deve ser auxiliada pelo educador, porque o leitor iniciante pode acabar não entendendo a mensagem e assim a leitura se torna vaga e não construira capacidades no leitor.

8. Leitor analisador e leitor (re)construtor

As ideias deste tema serão ao redor do pensamento da autora Mary Kato, e também da Ângela Kleiman, do conteúdo anterior.
Para Kato, existem dois tipos de leitor, o leitor analisador, que olha todo o texto primeiro, e procura entender pelo que percebeu todo o resto do texto, o segundo tipo é o construtor, este faz uso dos conhecimentos prévios, sem utilizar a questão visual.
A autora afirma que se o leitor utilizar os dois métodos, poderá ter uma compreensão bem mais ampla do texto, sem deixar de levar em conta a questão do cooperativismo entre o leitor e o escritor do texto.
E principalmente, o leitor deve sempre, tentar ir mais além na leitura, pois nem sempre o escritor coopera com o texto, deixando a interpretação mais difícil.

Fonte: Livro-texto da disciplina de Teorias do Texto - UNIP