Sinopse sobre as
Teorias do Texto
Por Shirley dos
Santos Bitelli
Módulo 1 – O nascimento de uma Linguística do texto: da frase ao texto –
as três fases de construção da Linguística Textual
A Linguística Textual (LT) é uma
ciência que afirma que toda linguística é, primordialmente, uma linguística de
texto. Este conceito e método científico conflitam diretamente com o campo
teórico da Linguística Estrutural (LE), movimento este precursor dos estudos
linguísticos no parâmetro científico, que traz como pilares as ideias
difundidas pelo linguista Ferdinand Saussure.
A Linguística Estrutural, de Saussure, teve grande aceitação, obtendo um
crescente avanço, desenvolvimento e sucesso, o que despertou a atenção de
outros olhares teóricos também relacionados à linguagem para além do formalismo
estruturalista (história, antropologia, sociologia, etnometodologia, psicologia
etc).
A partir de então surgem novos campos teóricos da linguística, a maioria
deles desligando-se de algumas das ideias do estruturalismo linguístico, tais
como: sociolinguística, etnolinguística, psicolinguística, neurolinguística, pragmática,
análise do discurso, semântica, etc. E, especialmente, Linguística Textual.
Muitos aspectos da tradição estruturalista
foram criticados e serviram de base para a criação da Linguística Textual,
sendo utilizados como barreiras a serem quebradas, entre essas, podemos citar: a
delimitação da frase como unidade máxima de análise, a falta de importância dada
ao texto e sua organização, a desconsideração da Fala e do texto falado e a
total desconsideração do sujeito (falante) e da situação comunicativa na
análise linguística.
Todas essas lacunas existentes na LE
levaram os estudiosos no texto a empenhar-se a buscar sentido além dos limites
das frases, a incluir na investigação teórica o sujeito e sua situação
sócio-comunicativa e a desenvolver e ampliar o estudo do texto em suas
modalidades oral e escrita, a partir de sua organização estrutural,
processamento cognitivo e funcionamento sócio-interacional, instaurando assim a
LT.
A transmutação da LE para LT não
possui claramente uma sucessão cronológica, o que marca essa mudança é a
ampliação e aprofundamento gradual dos estudos da Linguística Textual,
afastando cada vez mais esta ciência da outra. Cada nova fase busca superar os delimitações
e ineficácia da anterior. Conforme descrevem os grandes autores desse campo
científico, como: Bentes, 2007; Indursky, 2006; Marcuschi, 1983 e Koch, 2009;
2007; 2006, são reconhecidas três fases da LT:
1ª Fase Transfrástica: é a análise
que vai além das fronteiras da frase, voltando-se aos fenômenos linguísticos
que nunca foram bem explicados pelas teorias formalistas limitadas ao nível da
frase.
2ª Fase da Gramática Textual: essa
fase por objetivo a criação gramáticas textuais. Nesse período a LT ainda se
aproximava muito do entendimento da LE, pois ambas criam num sistema uniforme,
estável e abstrato, porém esta embasada na analise da frase e aquela, na do
texto. Na Gramática Textual o texto é tomado como a maior unidade linguística
de análise que pode ser decomposto (e recomposto) em unidades menores
classificáveis numa gramática do texto, o que facilita a identificação do papel
de cada elemento textualmente. De acordo com esse estudo, o falante possuiria
três capacidades textuais básicas:
·
A capacidade formativa (produzir e compreender).
·
A capacidade transformativa (reformular, parafrasear e resumir).
·
A capacidade qualificativa (reconhecer e tipificar: narração, descrição,
argumentação).
3ª Fase da Teoria do Texto: Nessa
fase a língua passa a ser entendida não mais como um sistema abstrato, mas
atual, em funcionamento, em uso efetivo. O texto então deixa de ser visto como
um produto formal pronto e acabado e passa a ser entendido como um processo em
funcionamento. Segundo BENTES, a Teoria do texto tem por primazia investigar a
constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso,
adquirindo particular importância, verificar seu contexto pragmático, ou seja,
o conjunto de condições externas da produção, recepção e interpretação dos
textos.
Embora não haja sucessão cronológica
específica, pode-se contextualizar por proximidade que a Fase Transfrástica ocorreu
na década de 1960, a Fase da Gramática Textual na década de 1970 e a Fase da
Teoria do Texto a partir da década de 1980 até a atualidade.
Tanto quanto a LT evoluiu ao longo de
suas três fases, o conceito de texto também. Na fase transfrática, o texto é
concebido como uma sequência pronominal ininterrupta, enfatizando a questão da
co-referenciação, como uma sequência coerente de enunciados, uma forma de organização
do material linguístico e uma unidade linguística superior à frase. Já na Fase
da Gramática Textual, o texto é visto como um complexo de proposições
sintático-semânticas, uma estrutura pronta e acabada que obedece a uma
estrutura formal articulada estritamente a partir de sete fatores de
textualidade: coesão, coerência, aceitabilidade, informatividade,
situacionalidade, intertextualidade e intencionalidade.
O texto era o produto de uma
competência linguística idealizada, com ênfase no aspecto formal do texto –
extensão e constituintes e era a maior unidade linguística com sequência
coerente e consistente de signos linguísticos. Por fim, a Teoria do Texto
enxergava que um texto pode fazer todo sentido para um falante e para outro
pode não. Considere-se que, no texto em questão, o autor não prioriza as
informações do texto em si, cujas referências estão ausentes, mas especialmente
o tom de humor em referir-se sarcasticamente a certas características apontadas
como do universo feminino. Para esta terceira fase, o texto não pode ser
entendido como uma estrutura pronta e acabada, um produto, mas como um processo
com atividades globais de comunicação – planejamento, verbalização, e
construção.
Módulo 2 –
Construindo sentidos no texto: Organização
estrutural e processamento textual
Após breve explanação sobre a
historicidade, do nascimento à atualidade, da LT, agora serão apresentadas
algumas das principais categorias teóricas de análise relacionadas à
organização estrutural, às estratégias de processamento e funcionamento e ao
contexto interacional que são o Processamento Textual e a Organização
estrutural.
Processamento textual: Entendendo-se o texto como um
processo, observa-se que esse ocorre através de sistemas de conhecimento
acionados no texto e no contexto de produção (KOCH, op.cit). Na produção
textual, toda ação é necessariamente acompanhada de processos de ordem
cognitiva, de maneira que o sujeito dispõe de modelos e tipos de operações mentais.
Os interlocutores, na comunicação, dispõem de saberes acumulados sobre os
diversos tipos de atividades da vida social, eles têm conhecimentos na memória
que precisam ser ativados para que a atividade seja efetivada com sucesso. O
processamento textual ramifica em três sistemas de conhecimentos:
1) Conhecimento linguístico: diz
respeito ao conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos
termos e pela organização do material linguístico na superfície textual,
inclusive dos elementos coesivos.
2) Conhecimento enciclopédico ou de
mundo: corresponde às informações armazenadas na memória de cada sujeito. O
conhecimento do mundo abrange o conhecimento declarativo, manifestado por
enunciações acerca dos fatos do mundo.
3) Conhecimento interacional:
compreende dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de
certas ações por meio da linguagem. Divide-se em conhecimento ilocucional, conhecimento
comunicacional e conhecimento superestrutural.
.
Organização Estrutural: de modo geral a organização textual
se orienta a partir de três níveis estruturais, inter-relacionáveis entre si:
Superestrutural, Macroestrutural e Microestrutural.
Superestrutural: ou de nível
global, com ênfase nas relações esquemático-cognitivas. Este se refere tanto às
estruturas textuais globais que permitem o reconhecimento dos gêneros ou tipos
(ver exemplos abaixo), como também envolve o conhecimento sobre estratégias
esquemáticas cognitivas relacionadas à significação global da base textual. As
superestruturas são estratégias na produção/recepção de textos que acionam a
memória, através de modelos globais como:
Frames: Certo conjunto convencional
de elementos armazenados na memória sem uma organização seqüencial que acionamos
cognitivamente numa situação de uso.
Esquemas: Certo conjunto convencional
de elementos armazenados na memória e organizados seqüencialmente que acionamos
cognitivamente numa situação de uso.
Planos: Modelos de comportamento
manifestados pelas pessoas no sentido de alcançarem um certo propósito e que
são acionados numa situação de uso. Ao deparar-se com uma situação típica
produzida pelo falante, o ouvinte já interpreta suas intenções.
Scripts: São planos mais
estabilizados ou estereotipados com rotina bem estabelecida e que geralmente
especificam papéis e ações dos interlocutores.
Macroestrutural: refere-se às
relações de coerência textual, responsáveis por construir a significação global
no texto através dos processos de produção e compreensão textual, analisados
numa leitura top-down (no eixo vertical). A construção da coerência textual
depende da organização de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos,
socioculturais, interacionais e pragmáticos. É pela coerência que as ideias são
conectadas, harmonizadas, não contraditórias, propiciando a compreensão
semântica global. Existem diferentes níveis de coerência:
·
Coerência narrativa: ocorre quando se respeitam as implicações lógicas
existentes entre as partes da narrativa.
·
Coerência argumentativa: diz respeito às relações de implicação ou de
adequação que se estabelecem entre certos pressupostos ou afirmações explícitas
colocadas no texto e as conclusões que se tira deles, as consequências que se
fazem deles decorrer.
·
Coerência figurativa: diz respeito à combinatória de figuras para
manifestar um dado tema ou à compatibilidade de figuras entre si e a coerência
temporal, que é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou
apresenta uma compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista
da localização no tempo.
·
Coerência espacial: diz respeito à compatibilidade entre os enunciados
do ponto de vista da localização espacial.
·
Coerência no nível de linguagem: a linguagem usada e sua
compatibilidade, do ponto de vista da variante linguística, no nível do léxico
e das estruturas sintéticas utilizados no texto.
Existem Importantes critérios de
textualidade, entre os quais os mais importantes são o princípio de interpretabilidade,
que depende da co-participação entre produtor e receptor na situação de
comunicação e da intenção comunicativa. A situação comunicativa, que interfere
na produção/recepção do texto e pode ser entendida em sentido estrito e em
sentido amplo. O conhecimento de mundo e conhecimento partilhado – conhecimento
de mundo é toda memória de vida armazenada mentalmente e o conhecimento
partilhado é a intersecção de conhecimentos comuns compartilhados por produtor
e receptor na interação comunicativa. A polifonia (várias vozes), que diz
respeito ao jogo de vozes e pontos de vista presentes no texto. A inferência,
que se relaciona às estratégias cognitivas que, com base no conhecimento de
mundo, organizam e acionam os modelos globais de estruturas textuais. A intertextualidade,
que é um fator importante para o processamento cognitivo do texto, na medida em
que recorre ao conhecimento de outros textos. A intencionalidade que tem uma
forte relação com a argumentatividade e refere-se à forma como os sujeitos usam
textos a fim de perseguir e realizar suas intenções, de modo que seus textos
produzam-se adequados à obtenção dos efeitos desejados. E por fim, a informatividade,
que é o grau de previsibilidade informacional presente no texto que também está
condicionado à intencionalidade e é regulado pelo contexto situacional mais
amplo. O grau de informatividade vem imediatamente da relação “dado-novo”
referente às informações do texto. Um texto pode trazer um nível de informações
novas alto, intermediário ou baixo.
Microestrutural: se refere às
relações coesivas lineares que dizem respeito ao modo como os elementos
presentes na superfície textual (no eixo horizontal) estão interconectados
através de recursos linguísticos, constituindo sequências veiculadoras de
sentido. Diferentemente da coerência, a coesão diz respeito à estrutura formal
do texto. A coesão é construída através de mecanismos gramaticais (pronomes
anafóricos, artigos, elipse, concordância, conjunções, etc.), que definem as
relações entre frases e sequência de frases, e lexicais, através da reiteração,
da substituição e da associação. As várias possibilidades de coesão textual
podem ser agrupadas em três grandes tipos: a coesão referencial, recorrencial e
sequencial.
Módulo 3 - Outras teorias cujo objeto de estudo é o texto
Com a evolução da LT e seu
desligamento com o estruturalismo, outras áreas desenvolveram novos campos de
investigação, muitos dos quais tomaram o texto, e não a frase, como objeto de
estudo, como por exemplo, a Sociolinguística.
Esta investiga a relação entre linguagem e sociedade, postulando o princípio da
diversidade linguística. Atua nas orientações teóricas contextuais e
funcionais, analisando ainda as relações de poder ligadas à linguagem, e busca
relacionar variações linguísticas a diferenciações na estrutura de uma
sociedade, considerando fatores socialmente definidos, como: identidade social
do falante/ouvinte, contexto social e o julgamento linguístico-social feito
pelos falantes sobre si e os outros. A prioridade da Sociolinguística é o
estudo da língua falada em seu contexto social, especialmente a questão das
minorias linguísticas e do insucesso escolar de crianças de grupos sociais
desfavorecidos.
Outro campo oriundo da análise do
texto é a Pragmática. Esta
analisa o uso concreto da linguagem e as condições que governam esse
uso, considerando a fala, sem observar a língua isolada de sua produção social.
Ela se interessa por elementos criativos e inovadores no uso da linguagem, como
o erro, a exceção e a licença poética. Suas principais correntes são o
Pragmatismo Americano (inclusão do sujeito na construção do sentido), os
Estudos dos Atos de Fala (linguagem ligada à ação e interação) e os Estudos da
Comunicação (interesses das anteriores, mais as questões sociais e históricas).
Tais atos dependem do contexto para a interpretação de seu sentido.
Já a Análise do Discurso procura enfatizar o funcionamento
linguístico-textual dos discursos no contexto histórico-social. Possui três
práticas: a tradição filológica (história e reflexão sobre os textos), a
prática da explicação de textos (teoria da leitura) e base no estruturalismo
(texto diferenciado dos modos de estudo da filologia). Tem influência marxista,
e afirma que a ideologia é materializada pela linguagem, e seu objetivo é
apreender a linguagem enquanto discurso, prática social de produção de textos,
materializando o contato entre o linguístico e o não-linguístico.
A Semiótica Discursiva busca
explicar os sentidos do texto a partir de sua organização linguístico-discursiva
e de suas relações com a sociedade e com a história. “Texto”, no caso,
refere-se a produções verbais, não-verbais ou mistas.
Por fim, os Estudos
Enunciativos tratam da realização vocal da língua, ou seja, da
enunciação. Esse estudo sustenta que existem três funções enunciativas: o
sujeito empírico (autor, agente reprodutor de discursos), o locutor
(responsável pelo ato praticado, mas não pelo conteúdo), e o enunciador (vários
pontos de vista percebidos no mesmo enunciado).
Módulo 4 - Diferenças e características da fala e da escrita: diferentes
níveis de formalidade, organização e variação.
Fala e escrita encontram-se inseridos
dentro do mesmo sistema linguísticos, porém possuem características próprias.
Alguns linguistas afirmam que a
produção textual situa-se ao longo de um “continuum” tipológico, com a escrita
formal e a oralidade informal em contraponto. Alguns gêneros se aproximam mais
da fala e outros da escrita, e outros ainda relacionam fala e escrita
intimamente; a relação entre as duas, entretanto, não é limitada. O continuum
da fala, sobreposto ao da escrita, indica as diferenças e semelhanças entre as
duas.
As características de inerentes à
fala são: planejamento local, planejamento e verbalização concomitantes,
descontinuidades frequentes no discurso, sintaxe ligada à sintaxe geral da
língua, e dinamismo. A fala é uma co-produção entre os interlocutores; as
pressões pragmáticas priorizam-se frente às exigências sintáticas, ocorrendo
truncamentos, correções, repetições. Mas a fala não é um texto caótico, tendo
estrutura própria.
Algumas interferências da oralidade
ocorrem sobre a escrita, em especial quando o indivíduo é iniciante na escrita,
não dominando as particularidades dessa modalidade, tais como: as repetições,
usadas como mecanismo de organização na fala, com funções variadas; os
organizadores textuais, que continuam tópicos da fala (e, aí, daí, então etc);
a justaposição de enunciados sem marca de conexão explícita (pontuação,
conjunções); o discurso citado, no estilo direto, sem verbo que introduza a
fala do outro; a segmentação gráfica, através da junção e/ou divisão de
palavras de acordo com o que se ouve; a grafia correspondente à palavra da
forma que é ouvida; e a correção feita como em texto oral, sem apagar ou riscar
a palavra errada, mas sim a colocando em seguida.
Entre as várias teorias de fala e
escrita, existe a dicotômica, fala x escrita. Essa teoria deu origem ao
prescritivismo gramatical e a norma linguística. Ela descreve a fala como
contextual, implícita, redundante, não planejada, imprecisa e não normatizada;
já a escrita é vista como descontextualizada, explícita, condensada, planejada,
precisa e normatizada. Tal visão formalista que originou as Gramáticas
Pedagógicas separa forma e conteúdo, classificando a fala como pouco complexa e
as bases da escrita como conjunto de regras.
Há também a dicotomia da Oralidade x
Letramento, voltada para as diferenças entre essas práticas sociais, sendo a
oralidade a prática social sob várias formas ou gêneros textuais, e sendo o
letramento o uso social da escrita; outra teoria é a do binômio Fala x Escrita,
onde a fala é um discurso que dispensa aparato técnico, e a escrita, uma
tecnologia de representação.
Marcuschi situa o texto (oral e
escrito) como uma prática social, e não artefato linguístico. A fala é
primária, sendo uma prática natural do ser humano, enquanto que a escrita é
derivada, prática oriunda do ambiente formal, por isso prestigiada. As práticas
sociais permeadas pela escrita é denominada como “letramento”, e mesmo pessoas
analfabetas estão sob influência das estratégias da escrita em seu desempenho
oral. Este letramento, nada mais é que o processo de aprendizagem
sócio-histórica da leitura e escrita para fins utilitários, em contextos
informais; já a alfabetização é o domínio ativo das habilidades de ler e
escrever, e a escolarização é a prática formal de ensino para a formação do
indivíduo, estando a alfabetização dentre suas atividades.
A escrita é fonte de preconceito, uma
vez que relaciona desenvolvimento à alfabetização. Esta se dá sob controle do
estado, portanto a aquisição da escrita sofre influências ideológicas. Já a
fala é cotidiana e a oralidade ocorre em diferentes contextos.
A visão da tendência culturalista da
oralidade x escrita possui perspectiva epistemológica, analisando
cognitivamente os efeitos de organização e produção do conhecimento no aspecto
psico-sócio-econômico-cultural. Para essa tendência, o domínio da escrita
representa avanço nas capacidades cognitivas individuais e progresso,
atribuindo à oralidade características como: pensamento concreto, raciocínio
indutivo, atividade artesanal, tradicionalismo e ritualismo. Tal visão, porém,
é etnocêntrica, supervaloriza a escrita e tem tratamento globalizante. Já a
perspectiva variacionista trata da escrita no processo educacional e a variação
entre língua padrão e não-padrão no ensino formal. Há regularidades e
variações, mas não dicotomias. Por fim, a perspectiva interacional considera o
continuum textual, baseando-se na relação dialógica no uso, nas estratégias de
linguagem, nas funções interacionistas, no envolvimento e situacionalidade e na
formulacidade. Possui baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos
sintáticos e fonológicos da língua e defende a não polarização da relação fala
x escrita, orientando-se por uma linha discursiva e interpretativa.
Conclui-se que a língua, em ambas as suas modalidades, reflete a
organização da sociedade, revelando-se em práticas socioculturais específicas,
não sendo uma modalidade superior à outra.
Módulo 5 - Considerações sobre a análise da conversação
A Análise da Conversação é
interdisciplinar, buscando estabelecer relações com a exterioridade da
linguagem, problematizando a separação entre a materialidade da língua e seus
contextos de produção, mobilizando saberes de outras ciências.
Para Marcuschi a conversação é
exercício prático das potencialidades cognitivas do ser humano em suas relações
interpessoais, tratando da interação verbal, investigando aspectos da organização
do texto conversacional.
Os linguistas devem se centrar nos
detalhes estruturais do processo interativo, em três níveis essenciais:
macronível (fases conversacionais: abertura, fechamento e parte central, tema
central e subtemas da conversação), nível médio (turno conversacional, tomada
de turnos, sequência, atos de fala, marcadores) e micronível (elementos
internos do ato de fala, constituindo sua estrutura sintática, lexical,
fonológica e prosódica). O objeto de estudos da Análise da Conversação é o
texto, mais especificamente o texto oral, natural e presencial, produzido em
situações espontâneas.
Quando há a interação, entre duas ou
mais pessoas, aborda-se um ou mais tópicos discursivos, que são a base do texto
oral. A organização tópica pauta-se em três propriedades: a centralização, a
organicidade e a delimitação. Ao longo da conversa, tomam lugar novos tópicos
ligados aos aspectos marginais do tópico anterior ou a novos conjuntos
introduzidos. O planejamento da fala é local, portanto ocorre na interação, e o
grau de formalidade varia.
A Análise da Conversação analisa
também os recursos não verbais usados na fala. Steinberg sistematiza tais
recursos em: paralinguagem (sons emitidos que não são signos, porém interferem
na significação, como shiii, tsc tsc etc.), cinésica (movimentos do corpo,
mãos, gestos), proxêmica (proximidade/distância entre interlocutores), tacêsica
(toque durante a conversação) e silêncio (ausência de conversação). Outro ponto
importante na Análise da Conversação é a organização da conversa. Os
interlocutores devem falar um de cada vez, aguardando um lugar relevante para a
transição, que marca o fim do turno (pausas, hesitações, marcadores), porém é
possível que mais de um interlocutor fale ao mesmo tempo e que a mensagem seja
entendida. Um turno pode ter o sentido de distribuição de turno ou de unidade
construcional. Turnos podem ser nucleares (centrais no tópico discursivo) e
inseridos (marginais ao tópico discursivo). Passagem (requerida ou consentida
pelo falante), assalto (invasão de turno sem consentimento) e sustentação
(tentativa de garantir a posse do turno, por alongamentos, repetições, elevação
de voz etc.) da fala podem causar a mudança de turno. O texto oral é planejado
e verbalizado concomitantemente, portanto utiliza-se de marcadores verbais,
não-verbais e prosódicos, que marcam finalização de turno, participação e
convergência. Esses marcadores são produzidos para dar tempo à organização do
pensamento, manter o turno, corrigir-se, reorientar o discurso, ou, no caso do
ouvinte, orientar o falante com indicações de indagação, convergência ou
divergência.
A construção da compreensão no texto
falado é outro ponto a ser abordado. Numa conversa, os indivíduos constroem um
texto coerente, cujo sucesso é atrelado ao processo interacional, composto de
atividades cooperativas e coordenadas de co-produção de sentido.
Módulo 6 - Leitura, oralidade e escrita: práticas linguísticas, sociais
e pedagógicas.
Ao longo da história as práticas de
Escrita e Leitura foram utilizadas como representações sócio-discursivas de
diferentes classes. As práticas das classes dominantes política e
economicamente foram fixadas como “bom uso” do vernáculo para melhor aquisição
e acúmulo do conhecimento, para o progresso e avanço científico-tecnológico e,
por fim, para a ascensão social. Sob essa perspectiva, vinculou-se à escola o papel
de “ensinar”, reproduzir e reconhecer tais práticas.
As crianças atribuem à escrita e aos
seus esquemas de interpretação vários sentidos e estes dependem das
experiências passadas, bem como dos conhecimentos adquiridos. A escola iguala a
falta de conhecimento com inaptidão para adquirir os conhecimentos acadêmicos,
não reconhecendo o saber do aluno e o pré-concebe como um aluno fraco.
Para Brito (1985) o processo de
produção textual é complexo, e a oralidade é vista com preconceito, conforme
dispõe: “O processo de construção de redação é uma disputa (não uma integração)
constante entre a competência linguística do estudante (basicamente oral,
não-formal e desescolarizada) e a imagem de língua escrita que cria a partir da
imagem do interlocutor e de interlocuções privilegiadas (...) Como esse
interlocutor tem caráter fortemente repressivo e valorativo, o estudante, na
necessidade de mostrar que “sabe”: - nega sua capacidade linguística oral; cria
uma imagem de língua a partir das fontes que identifica com a imagem do
interlocutor, isto é, relações sociais em que haja (ou o aluno identifique)
marcas de autoridade, padrão culto etc.” (BRITO, 1985, p.125).
Os processos desenvolvidos, de ensino/aprendizagem,
devem ser instauradores da relação de interação e interlocução. Não se trata
apenas de ensinar a escrita, mas de usá-la como interação e interlocução na
sala de aula, apresentando e utilizando-se a linguagem em suas várias
possibilidades.
Uma forma de transformar algumas
condições e procedimentos de ensino nas escolas é a utilização da literatura
infantil, como uma forma de articulação das atividades e de constituição da
interdiscursividade, e também implementar as várias formas de linguagem
(plástica, corporal etc.) possíveis e viáveis nas situações escolares.
Logo a escrita integra o hábito, a
possibilidade, a necessidade e o gosto das crianças para uma interação por
escrito, ganhando força na correspondência e no registro das experiências.
“É o discurso cotidiano que começa a
ser marcado pelo trabalho de escritura das crianças e que traz, portanto, as
marcas da realidade sócio-cultural dos indivíduos e dos grupos em interação.”
(SMOLKA, 1988, p.100).
Módulo 7 – Estratégias de leitura: cognitivas e metacognitivas.
Este módulo explana sobre as
diferentes estratégias de leitura, sob o enfoque da escritora Ângela Kleiman
(2004), visando a aprendizagem da capacidade de ler. Ela enfatiza a
possibilidade de que a leitura pode e deve ser ensinada, focando o
desenvolvimento de estratégias de leitura e de habilidades. A própria autora apresenta
duas estratégias: a cognitiva, que é constituída pelas operações inconscientes
do leitor que ele utiliza quando vai ler, e a metacognitivas, que em oposição à
anterior, é quando fazemos algo que tem o objetivo de melhorar a compreensão do
texto, como por exemplo, ler novamente.
Essas estratégias proporcionam uma ferramenta
extra ao leitor iniciante, porque ele vai possuir varias maneiras de
compreender o texto.
O leitor deve ter liberdade para
escolher a sua leitura, assim ele escolherá algo que já conhece o que permite
que ele utilize seus conhecimentos prévios e mais outros.
Entretanto, a autora enfatiza que a
interpretação deve ser auxiliada pelo educador, porque o leitor iniciante pode
acabar não entendendo a mensagem e assim a leitura se torna vaga, o que não
desenvolve sua competência como leitor. Cabem aos docentes escolherem textos
verbais e não verbais para definir os objetivos da leitura.
Módulo 8 – Leitor analisador e leitor (re)construtor.
Segundo Kato (1999) existem dois tipos principais de leitores, o
analisador, que olha todo o texto primeiro, e procura entender pelo que
percebeu todo o resto do texto, e o construtor, que faz uso dos conhecimentos
prévios, sem utilizar a questão visual. O leitor que utilizar os dois métodos,
poderá ter uma compreensão bem mais ampla do texto, sem deixar de levar em
conta a questão do cooperativismo entre o leitor e o escritor do texto. A
autora ainda afirma que partindo do pressuposto de que a leitura é um ato de
comunicação regido por regras conversacionais, o escritor e o leitor criam um
contrato de cooperativismo: escritor informativo / leitor compreensivo,
escritor sincero / leitor crédulo, escritor relevante / leitor assertivo e, por
último, escritor claro / leitor que espera o uso de recursos linguísticos
simples. Porém, esse leitor-cooperativo espera que esses quatro princípios estejam
sempre presentes, ou poderá significar para esse leitor que o autor está
ocultando seu desejo real. Segundo Kato, aí nota-se a violação da
sinceridade, pois alguns leitores, levados pelo princípio de cooperação,
pensarão tratar-se de uma brincadeira do autor, enquanto outros tentarão
adivinhar o termo que ocorre nessa posição, evidenciando, neste último caso, a
hipótese descendente de leitura. Mesmo que coexistam
entre escritor e leitor o cooperativismo, a inexistência de uma correspondência
biunívoca entre forma, função e até o desconhecimento sobre uma ambiguidade,
muitas vezes não pretendida pelo escritor, faz da leitura um processo incapaz
de extrair o sentido final do texto. Ele apenas incita o leitor a algumas
interpretações, nem sempre intencionalmente colocadas pelo escritor. O texto,
além de uma unidade formal, é uma unidade de comunicação, e a leitura se torna
o ato de reconstrução dos processos de sua produção. Essa interação
leitor-autor prega que a recepção é um processo no qual o leitor se coloca
seguindo as trilhas deixadas pelo autor, colocando-se na sua posição para
entender seus objetivos. A partir deste percurso constrói-se o leitor-reconstrutor.
Trabalho desenvolvido com embasamento teórico
no material didático da disciplina Teorias do Texto, disposto no ambiente
virtual da Universidade Paulista - UNIP.